domingo, 12 de janeiro de 2020

João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999)

Foto: Carlo Wrede/Arquivo O Globo
João Cabral de Melo Neto
09 de Janeiro de 1920
09 de Outubro de 1999 (79 anos)
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RESUMO

João Cabral de Melo Neto é um autor reconhecido na literatura brasileira pelas poesias modernistas. Pertencente à geração de 45 do modernismo nacional, João Cabral apresentou características surrealistas em suas poesias, que eram marcadas pelo rigor formal e pela estruturação fixa.

Nascido em Recife, Pernambuco, o contato com a literatura de cordel marcou os primeiros contatos de Cabral com as letras. Ainda menino, o escritor lia as histórias para os funcionários do engenho do seu pai. Já no Rio de Janeiro, frequentou encontros literários e conheceu importantes autores nacionais. Lembrado pelo talento para escrever, o autor também foi diplomata, tendo morado em vários países.

MOVIMENTO LITERÁRIO

Sua obra possui tendências surrealistas e períodos de poesia popular. João Cabral de Melo Neto pode ser considerado um escritor modernista de 3ª fase, ou da geração de 45.

Estilo

João Cabral era rigoroso com seus poemas, apresentando uma estrutura mais fixa e com versos rimados. Seu estilo não é marcado pelo sentimentalismo, é mais objetivo, racional. A obra de João Cabral de Melo Neto pode ser considerada construtivista.

Não tinha romantismo em seus escritos, o poeta buscava descrever as percepções do real, colocando de forma concreta as sensações. Além disso, o autor buscava as oposições na sua poesia.

BIOGRAFIA

Filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo, o escritor nasceu em Recife, Pernambuco, mas passou muito tempo em engenhos de açúcar, já que seu pai era um senhor de engenho. Quando tinha apenas oito anos, João adorava os cordéis e costumava ler vários para os empregados do engenho. É dessa época que vem a preocupação com o povo nordestino, o menino via as diferenças da vida dos mais ricos, senhores de engenho, e dos mais pobres.

Antes de começar a carreira literária, João Cabral trabalhou na Associação Comercial de Pernambuco e no Departamento de Estatística do Estado. Morando no Rio de Janeiro, passou a frequentar os encontros literários nos cafés do centro da cidade. Teve contato com vários autores na roda literária do Café Lafayette. Já em 1940, conhece o importante poeta Carlos Drummond de Andrade. “Pedro de Sono”, de 1942, é a primeira publicação.

Casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, o autor teve carreira também na diplomacia. Em 1947, como vice-cônsul, foi para o Consulado Geral em Barcelona, Espanha. Três anos depois, seguiu para Londres, Inglaterra. Durante esse tempo, publicou alguns textos.  O autor trabalhou ainda no jornal “A Vanguarda” enquanto respondia a um inquérito por subversão.

De volta à diplomacia, foi enviado para Marselha, França, depois para Madri, Espanha. Já em 1961, foi morar em Brasília, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Romero Cabral da Costa, Ministro da Agricultura. A função durou pouco, como Jânio Quadros renunciou, o escritor foi mandando de volta para Madri. Acabou indo para Genebra, Suíça, em 1964 e assumindo a função de conselheiro da delegação brasileira nas Nações Unidas.

Com a morte da esposa em 1986, casou-se com Marly de Oliveira. O escritor sofria com constantes dores de cabeça, por isso, tomava aspirinas diariamente. Chegou a escrever sobre o assunto. Uma de suas obras mais importantes é “Morte e Vida Severina”.

Primo do também escritor Manuel Bandeira, João Cabral foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1968, ficou com a cadeira nº 37, substituindo o jornalista Assis Chateaubriand. Recebeu da ABL o Prêmio Olavo Bilac em 1955. Em 1990, ganha o Prêmio Luís de Camões e em 1993 o Jabuti.

Fontes: Academia Brasileira de Letras e Wikipedia

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Resumo da peça: “Morte e Vida Severina”

Autor: João Cabral de Melo Neto
Movimento: Modernismo - Geração de 45

Por Fernando Marcílio
Mestre em Teoria Literária pela Unicamp

Na abertura da peça, o retirante Severino se apresenta à plateia e se dispõe a narrar sua trajetória. Sai do sertão nordestino em direção ao litoral, em busca da vida que escasseava em sua terra. Ao longo do caminho, mantém uma série de encontros com tipos nordestinos. Logo de saída encontra os irmãos das almas, lavradores encarregados de conduzir a um cemitério distante o corpo de um colega, assassinado a mando de latifundiários. Aos poucos, assiste à seca do rio Capiberibe, que Severino segue em sua viagem ao litoral. Passa por um lugarejo e ouve uma cantoria vinda de uma casa. Trata-se do canto de excelências, isto é, fúnebre, em honra a outro Severino morto.

Com a morte definitiva do rio, Severino pensa em desistir de sua viagem, mas acaba por optar pelo prosseguimento. Assim, planeja instalar-se naquele mesmo lugar. Conversando com uma moradora, percebe que nenhuma das atividades que poderia desempenhar – agricultura e pecuária – encontraria espaço ali, mas apenas aquelas ligadas à morte, como rezadeira e coveiro.

Severino continua sua jornada e passa pela Zona da Mata, região de relativa prosperidade no interior do sertão. Encanta-se com a natureza verdejante do lugar, mas percebe ainda a presença da morte ao testemunhar o funeral de um lavrador que se realiza no cemitério local. Abandona o pensamento inicial de encerrar ali a busca que mantinha pela vida e continua sua viagem.

Por fim, chega ao Recife, onde resolve descansar ao pé de um muro. Trata-se de um cemitério, e Severino escuta então o diálogo entre dois coveiros. Os trabalhadores conversam sobre o trabalho que lhes dão os retirantes que saem de suas casas sertanejas para morrer ali, fazendo-o ademais no seco e não no rio – o que lhes daria menos serviço e mais sossego. Diante desse novo encontro com a morte, Severino resolve entregar-se a ela e se matar, atirando-se em um dos rios que cortam a cidade.

Ao se aproximar do rio, inicia um diálogo com José, mestre carpina (carpinteiro), morador ribeirinho. Pergunta-lhe se aquele ponto do rio era propício ao suicídio. O mestre responde positivamente, mas tenta convencer o retirante a não se atirar. Severino pede então que lhe dê uma única razão para não fazê-lo.

A resposta do mestre é interrompida pelo anúncio do nascimento de seu filho. José o celebra com vizinhos e conhecidos, recebe os presentes pobres que lhe trazem, ouve as previsões pessimistas de duas ciganas a respeito do futuro da criança e, por fim, recordando-se da pergunta de Severino, dispõe-se a respondê-la. Afirma então que ele, José, não tem a resposta para a questão de saber se a vida vale ou não a pena, mas que o nascimento de seu filho funciona como resposta, representando a reafirmação da vida diante da morte.

CONTEXTO

Sobre o autor

João Cabral é o maior poeta da terceira fase modernista. Mais do que isso: forma, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira o trio de poetas mais importantes da nossa história. É o poeta da pesquisa formal, da exatidão, da linguagem enxuta cuja matriz está, reconhecidamente, em Graciliano Ramos.

Importância do livro

Em Morte e Vida Severina, sem abrir mão do rigor imagético e da síntese expressiva, João Cabral alcança uma comunicabilidade maior, talvez em função do fato de ter sido desafiado a escrever uma peça de teatro – destinada, portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia poderia alcançar. A abordagem do drama da seca é feita de tal forma a dialogar com o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, do qual funciona quase como continuação.

Período histórico

Os anos 1950 se caracterizam na história brasileira pelo desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitscheck. Trata-se de um período de grande entusiasmo cultural e intelectual, que atinge o campo da literatura em autores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, além do próprio João Cabral.

ANÁLISE

João Cabral classificou sua peça de auto de natal pernambucano, levando em conta tanto a forma popular dos versos curtos, comuns nos autos medievais, quanto a circunstância de tratar de um nascimento (natal) e de ambientar-se no sertão pernambucano. O título promove uma proposital inversão entre vida e morte, colocando está em primeiro lugar. Essa troca da ordem natural indica os encontros com a morte e a vitória da vida, no final.

LEMBRETE

Morte e Vida Severina é uma peça de teatro em versos. O autor resgata uma forma popular – os versos curtos – para tratar de um assunto que atingia particularmente o povo nordestino: a seca.
Além disso, o nome próprio Severina é usado como adjetivo no título, sugerindo uma ampliação de sentido que é confirmada logo nas primeiras palavras do retirante, que, ao tentar se apresentar, evidencia que sua situação particular é, na verdade, uma metonímia do que ocorre com outros sertanejos, igualmente vítimas da seca.

Em seu caminho em direção ao litoral, Severino alterna diálogos e monólogos. Os primeiros representam os encontros sucessivos com figuras simbólicas da morte – irmãos de almas, carpideiras, rezadeiras, funeral –, inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela terra. Já os monólogos mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir seus rumos depois de cada diálogo.

Os pontos culminantes da trajetória fatalista do retirante são a morte do rio cujo percurso ele acompanha até o litoral – representação de um meio que se rende à morte como o morador instalado nele – e o paradoxo do contato com ofícios que demonstram vitalidade justamente porque associados à morte – rezadeira, coveiro, farmacêutico etc.

A chegada à cidade é a desilusão final do retirante. O diálogo travado entre os coveiros funciona como sua sentença de rendição à morte, ato máximo de seu desespero. Por outro lado, o nascimento de uma criança instala a contradição entre a opção de saltar fora da vida, desistindo dela e a alternativa de agarrar-se à existência e resistir à morte opressora. Nesse sentido, a simbologia da criança – para além de figurar o nascimento de Cristo, em sua condição de filho de carpinteiro – abarca a ideia da purificação, da limpeza de toda a podridão associada à morte.

A peça não resolve a contradição, já que sua última fala é a do carpina propondo a vida a Severino, sem que se saiba a opção feita por este. No entanto, o título da peça, que propõe o encontro final com a vida, parece sugerir a vitória da resistência e da insistência na esperança.

Texto e imagem reproduzidos do site: educacao.globo.com

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