sábado, 8 de agosto de 2020

O Ofício de Escrever

Imagem reproduzida do Google e postada pelo blog para 
ilustar o presente artigo

Texto compartilhado de publicação no site RADAR SERGIPE, em 28 de julho de 2020

O ofício de escrever
Por Luiz Eduardo Oliva *

Outro dia fui questionado por um ex-aluno sobre os caminhos para aprender a escrever. De fato uma indagação cuja resposta poderia até parecer presunçosa, afinal escrever é arte, técnica e, sobretudo exercício permanente e o é para alguns iniciados. Ainda assim arrisquei a resposta. Falo da arte de escrever buscando o manejo das palavras com estilo e isso não se ensina na escola. A escola ensina a usar a gramática e harmonizar bem as palavras para o entendimento e até para o chamado português escorreito. Escrever com estilo, porém é algo nato que se aperfeiçoa no tempo, na prática e na leitura, principalmente. Na boa leitura de bons autores, de preferência.

Muitos vão perseguir a boa escrita, mas há um mistério de sedução que apenas alguns serão iluminados. Porque escrever com estilo depende daquele talento nato, como é o do bom compositor, e da busca por uma técnica que a repetição do ato de escrever poderá proporcionar. Joel Silveira, esse notabilíssimo jornalista e escritor sergipano dizia que no Brasil só Machado de Assis e Graciliano Ramos tinham estilo. Os demais tinham jeito. Havia exagero em Joel, que ao apontar apenas dois excluiu a si próprio, um artista das palavras.

Graciliano Ramos destacou-se inicialmente pela fama que ganharam os relatórios que produziu, enviados ao governador de Alagoas nos anos de 1929 e 1930 quando foi prefeito de Palmeiras dos Índios, relatórios que antecedeu a fama do grande escritor brasileiro, porque ele não se utilizou da formalidade comum dos documentos oficiais mas impingiu uma construção linguística própria dos grandes escritores e já ali, se revelou como tal.

O próprio Joel Silveira, que prefaciou o livro que publicou tais relatórios, lembrou a maneira simples com que Graciliano discorreu sobre a arte de bem escrever. Disse o autor de “Vidas Secas”: "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa; a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.

Um exemplo tão simples e altamente didático. Recordei então ao ex-aluno o ensinamento de Graciliano e, presunçoso, me arvorei a acrescentar: para escrever bem há a necessidade de se buscar um estilo próprio, ser incisivo nos argumentos, fugir à piegas. Aprofundar os argumentos pesquisando assuntos que antes de escrever chegam só em detalhes na mente. Muitas vezes um exercício inglório: escreve-se, corta-se, acrescenta-se. Mas nunca se está satisfeito. Às vezes há a necessidade de parar, fazer qualquer outra coisa, escutar música, e voltar ao texto. Logo vai perceber defeitos, incorreções, mas também vão surgir novos insights. Então se continua a escrever, cortar palavras, buscar as mais adequadas, fugir a lugares comuns. Especular pouco e objetivar mais. Buscar a elegância no estilo, evitar a redundância, a repetição de palavras e tomar todo o cuidado para não cair nas armadilhas do português, da gramática. Instigar o leitor como se fosse você. Criar expectativas para prendê-lo até o final do texto, como se fosse uma espécie de suspense. Despertar no leitor a curiosidade de como será o final. Assim prende o leitor ao texto, melhor diria: deixa-o "apegado".

O mais difícil é que nos dias das redes sociais os textos com mais de uma lauda já parecem intermináveis, não seduzem. A escrita ficou altamente superficial. Uma saída seriam os parágrafos curtos para criar apreensão no leitor daquilo que se quer dizer. Levar emoção, tocar na alma do leitor, fazendo-o sorrir e chorar, se for preciso, mas principalmente fazê-lo refletir. Mas é preciso não dourar a pílula. A boa escrita tem estilo, objetividade, elegância. É preciso deixar o texto "redondo" ou "lapidado" na dosagem certa. Se ao final encontrar trechos que não seriam imprescindíveis à compreensão nem ajuda nas figuras de linguagem, melhor suprimi-los.

Pronto o texto, é necessário fazer repetidas leituras. Dar pequenos tratos, se necessário. Depois de publicado vem o momento de degustar na leitura o próprio texto impresso. É muitas vezes o momento de se aborrecer por erros que se encontra ou porque surgem outros insights que demonstram que teria sido melhor em outra forma mas o fruto já está pronto.

O ofício de escrever, portanto, é dos mais difíceis. Como então explicar ao ex-aluno? Escrevi este texto e presunçosamente público esta semana, porque na falta de inspiração que me abateu, resolvi escrever sobre o ofício de escrever. Tentando ao menos o “jeito”, porque estilo como diria Joel Silveira, ficou para os grandes escritores.

* Advogado, poeta, e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas

** Artigo Publicado no Jornal da Cidade, edição de 24 a 27 de julho de 2020, onde Luiz Eduardo Oliva escreve quinzenalmente.

*** Agradeço a leitura, críticas são muito bem vindas, ajudam a melhorar os próximos artigos.

Texto reproduzido do site: radarsergipe.com.br

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