segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Entrevista com Rui Campos, o livreiro da Travessa, em SP.

Conheça o livreiro que ignorou crise editorial e expandiu lojas em SP

Publicação compartilhada do site METRÓPOLES, de 13 de novembro de 2022  

Em entrevista, Rui Campos, o livreiro da Travessa, diz que 2022 será o melhor ano da história da rede. Em julho, abriu sua quarta loja em SP

Por Karina Sérgio Gomes

O livreiro Rui Campos aproveitou a vinda a São Paulo para almoçar com Samuel Seibel, dono da Livraria da Vila, e Alexandre Martins Fontes, sócio da livraria e editora que carrega o seu sobrenome. “Conversamos sobre mercado, como estão os negócios e o que podemos fazer. Somos concorrentes, mas também existe cooperação”, diz Campos em entrevista ao Metrópoles.

Em contraponto ao mercado editorial brasileiro, que encolheu 39% em 16 anos, segundo relatório divulgado pela Nielsen BookData, as livrarias dos empresários que se reuniram para almoçar não demonstram sinal de crise. Em dois anos, a Livraria da Vila inaugurou 10 novos endereços. Nos últimos três anos, a Travessa quase duplicou de tamanho – saltou de 7 para 12 filiais.

Em 2019, Campos abriu a primeira loja de rua em São Paulo e outra em Lisboa. Em 2020, inaugurou mais uma em Niterói e, em 2021, outra em Brasília. Em julho deste ano, uma nova filial abriu suas portas no shopping Iguatemi, em São Paulo – onde antes havia uma Livraria Cultura.

“Para 2022, prevemos um crescimento 10% maior em relação a 2019, nosso melhor ano”, estima.

Nascido em Belo Horizonte, Campos se mudou para o Rio de Janeiro, em 1975, para trabalhar na Livraria Muro, por indicação de uma namorada. “A livraria foi minha faculdade”, conta. Tinha 22 anos e encontrou na venda de livros uma profissão. Fundou sua própria livraria em 1986, na Travessa do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro. O endereço originou o nome: Livraria da Travessa.

Mesmo morando no Rio há mais de 40 anos, Campos não nega os genes mineiros que carrega. Quase 10 anos separam a abertura da primeira loja para a segunda. E cerca de três décadas foi o tempo que precisou para abrir uma loja fora do Rio de Janeiro. Pelas beiradas, a Travessa está conquistando novos espaços, levando a bossa carioca onde chega.

Leia os principais trechos da entrevista de Rui Campos ao Metrópoles:

Qual o é projeto de expansão da Travessa?

A Travessa tem um movimento e uma velocidade muito cuidadosa e lenta. Não temos um projeto amplo de expansão. Nós vamos observando e analisando convites. De vez em quando enxergamos alguma proposta onde podemos reproduzir o estilo da Travessa, que são projetos únicos, com uma curadoria muito voltada para o lugar onde ela vai ocupar.

Por que entraram no estado de São Paulo pelo interior?

Ribeirão Preto foi, eu diria, um ponto fora da curva, mas tínhamos vontade de testar uma operação fora do Rio. Recebemos o convite do Ribeirão Shopping e achamos perfeito, porque é um shopping inacreditável – parece uma cidade, tem de tudo ali. [Inaugurada em 2014, a filial foi a primeira fora do Rio.] Nosso primeiro endereço na capital paulista foi uma parceria com o Instituto Moreira Salles. Para nós, é motivo de orgulho ser parceiro do IMS e ter uma loja dentro do Instituto. Aí, uma coisa puxa a outra. Nós fazemos a livraria da Flip, por isso, frequento muito o bairro de Pinheiros, onde fica o escritório da Casa Azul, organizadora do evento. Mauro Munhoz, o diretor da Casa Azul, falava: “você tem que abrir uma Travessa em Pinheiros”. Pinheiros tem um comércio muito específico de lojas pequenas e transadas. Um dia, encontramos um imóvel em que sentimos que poderíamos fazer uma livraria menor, mais intimista conversando com o estilo bairro e foi um sucesso. Depois dessa loja, recebemos muitas propostas e chegou a do Iguatemi. Não tivemos como recusar.

As lojas de São Paulo têm um projeto arquitetônico muito diferente das do Rio de Janeiro, por que resolveram mudar?

A Bel Lobo, arquiteta que faz todos os projetos das nossas livrarias, tinha acabado de voltar de uma viagem para a Índia quando pedimos para ela um projeto para a loja de Pinheiros. Ela estava muito encantada com tudo que viu no país e me apareceu com a proposta de teto vermelho e truques de iluminação que valorizavam os livros. Era realmente uma visão nova, diferente daquela iluminação dramática e pontual que tínhamos nas livrarias. Na do Iguatemi, que chamamos de loja vitrine, você só vê aquela caixa de luz que dá esse impacto impressionante. No dia da inauguração, eu fui apresentado a um senhor inglês que me falou: “essa é a forma mais inteligente e bacana de se vender livros que eu já vi”. É um ambiente que valoriza o livro, o nosso grande protagonista. A partir de Pinheiros, a gente inaugurou esse novo estilo, que também está replicado em Niterói.

Em 2020, no começo da pandemia, você tinha a expectativa de que haveria uma corrida para as livrarias assim que as pessoas voltassem a circular. Com a flexibilização das regras do isolamento social, sua expectativa se concretizou?

Eu tenho dificuldades até de lembrar daquele momento – como foi terrível imaginar as livrarias todas fechadas. Tinha uma expectativa de que teria esse momento de euforia, de retomada. E realmente 2022 está sendo um ano excelente. O ano de 2019 foi maravilhoso. Houve um crescimento das vendas de livros no mundo todo. Tivemos um Natal espetacular. Aí, veio 2020. Em 2021, já começamos uma recuperação. Mesmo durante os anos mais difíceis da pandemia, cometemos alguns atrevimentos: abrimos Niterói e Brasília e ampliamos Pinheiros. Mas 2022 está melhor que 2019, prevemos um crescimento 10% maior em relação a 2019.

Os pilares da Travessa são chamados de “Três As”: arquitetura, atendimento e acervo. Você poderia falar sobre esse conceito?

O ambiente da livraria precisa ser legal e aconchegante. É onde você se informa, se conecta, se atualiza, por isso damos importância à arquitetura. Segundo, é preciso valorizar o livreiro porque apaixonados por livros gostam de encontrar quem gosta de livro. É uma comunidade. Mesmo sendo uma rede, cada Travessa tem um perfil, um acervo. Por exemplo, 70% do que vende em Pinheiros é muito parecido com o que vende no Iguatemi, mas 30% é totalmente diferente. A vitrine de cada loja é feita por sua equipe, porque ela sabe o que o público dali mais gosta. Você não pega um modelo e implanta em diversos lugares. Por isso, eu falo que cada projeto é único, porque é preciso interpretar bem a demanda e a linguagem de quem frequenta a livraria.

Esse é o segredo do sucesso neste momento em que nomes tradicionais como Cultura de Saraiva fecham seus pontos?

Eu acho que os casos da Cultura e da Saraiva são muito específicos. As duas representaram um momento – das livrarias gigantes com pretensão de ir muito além de vender livros – que se foi. Na verdade, era uma tentativa de competir com o mercado virtual. Assim foram se desfazendo daquele trabalho de livreiro, como a Cultura teve durante muitos anos. A Cultura era uma escola. A Travessa é cheia de “ex-Cultura”, pessoas que começaram na Livraria Cultura e acabaram indo para outras livrarias. Vimos a derrocada desse modelo de megastore no mundo todo. Por outro lado, pequenas e médias livrarias surgiram como Megafauna, Simples e Gato Sem Rabo.

Você já disse que a concorrência na área cultural é bem-vinda. A Travessa, porém, está crescendo. O mercado de livros tem espaço para Travessa e outra rede grande?

Você tem várias redes de livrarias crescendo velozmente, por exemplo, Curitiba, Leitura e Escariz. Eu acho que tem lugar para muitas livrarias, sim. Na Travessa, nossa preocupação não é com o concorrente, mas com o cliente. As livrarias brasileiras são muito unidas. Temos um grupo de whatsapp que se chama “Livreiros Reunidos”. Nos encontramos semanalmente para discutir o mercado. Não existe uma livraria igual a outra. O bacana é isso. Se você vai na Livraria da Tarde, que fica perto da nossa de Pinheiros, é uma outra proposta. Cada uma tem sua curadoria, seu jeitão e sua proposta. Isso é bonito. Nenhuma livraria é substituível.

Texto e imagem reproduzidos do site: metropoles.com

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