Legenda da foto: Caixas amontoadas na Livraria Cultura do Conjunto Nacional nesta sexta-feira, um dia após a Justiça declarar a falência da empresa - (Crédito da foto:Maria Isabel Oliveira).
Legenda da foto: Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Paulista, é esvaziada após decretação da falência — (Crédito da foto: Maria Isabel Oliveira).
Publicação compartilhada do site do jornal O GLOBO, de 11 de fevereiro de 2023
Livraria Cultura vai recorrer e segue funcionando, diz dono da empresa após falência ser decretada
Presidente da empresa, Sérgio Herz, diz que foi pego de surpresa e que vendas estavam crescendo
Por Ivan Martínez-Vargas — São Paulo
Caixas amontoadas na Livraria Cultura do Conjunto Nacional nesta sexta-feira, um dia após a Justiça declarar a falência da empresaCaixas amontoadas na Livraria Cultura do Conjunto Nacional nesta sexta-feira, um dia após a Justiça declarar a falência da empresa Maria Isabel Oliveira
O presidente da Livraria Cultura, Sérgio Herz, diz que decisão judicial que decretou a falência da empresa na última quinta-feira foi inesperada. A sentença foi proferida pelo juiz Ralpho Barros Monteiro, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. O empresário afirma que vai recorrer da decisão e que, apesar das dificuldades, a empresa apresentava ritmo de crescimento nas vendas neste início de 2023.
Herz afirma que a empresa tem cumprido o aditivo ao seu plano de recuperação judicial aprovado em 2021, diferentemente do que entenderam a então administradora judicial do caso, a consultoria Alvarez & Marsal, e o próprio juiz do caso. Ele também rechaça qualquer possível fraude na empresa e ressalta que eventuais ressarcimentos a sócios, questionados pela então administradora judicial do caso, são normais e "não chegam a décimos" do que a família Herz, dona da Cultura, injetou na empresa.
O executivo admite que a livraria teve problemas para prestar informações à consultoria e que não pagou parte dos honorários, mas ressalta que nenhum de seus credores pediu a quebra da empresa e que, em fevereiro, a expectativa era de um crescimento da ordem de 80% nas vendas em relação ao mesmo mês de 2022.
Herz afirma, ainda, que tem dialogado com as grandes editoras e com os proprietários dos imóveis onde estão as duas lojas da Cultura ainda em funcionamento, em São Paulo, no icônico Conjunto Nacional, e em Porto Alegre. Ele diz que a empresa tem pago os aluguéis, mas que negocia os valores, diferentemenre do que afirma, por exemplo, a Bombonieres Ribeirão Preto, dona do espaço da livraria na Avenida Paulista.
Como vocês receberam a decisão que decreta a falência da Cultura e qual é a estratégia que vocês pretendem adotar para tentar reverter isso?
Foi totalmente inesperado. Na nossa visão, temos o plano de recuperação em dia e explicamos isso numa petição que foi protocolada no final do ano passado. A sentença menciona débito de R$ 1,6 milhão, é de um credor com o qual estamos negociando à parte da recuperação judicial e isso não tem nada de errado. Na nossa visão, estamos OK com tudo. Eu estava em um café à noite em uma reunião, uma conversa de negócios e recebi essa bomba.
A empresa vai recorrer da decisão, então.
Sim, no começo da semana que vem a gente entra com um recurso, vamos trabalhar no fim de semana para preparar e mostrar que o negócio é viável. Nós estamos crescendo.
Qual era a situação financeira da Cultura antes da decisão?
Nós estávamos crescendo. Em janeiro, tivemos um crescimento de vendas de 60% em comparação com janeiro do ano passado. Em fevereiro, a nossa previsão era de 80% mesmo com o carnavel porque a gente mudou o modelo de negócios com a criação do Hub Cultura, criamos um sistema de pagamentos. A gente está tentando fazer um negócio diferente. O segmento em que estamos, em que a Saraiva está, sofre uma concorrência pesada. Desde 2014, eu estava convencido de que se eu competisse no online, eu perderia. A gente começou a desenvolver lojas diferentes, mais bonitas, com uma experiência melhor, mas a dificuldade era como cobrar por isso. O cliente não quer pagar. Você entra no ambiente do e-commerce muito agressivo, com competição de preço, logística. O cliente na loja está vendo o valor das mercadorias, ele compara, e paga menos. As pessoas continuam indo nas lojas físicas, isso não vai desaparecer, mas o cliente que comprava há 20 anos dez vezes na livraria compra cinco na loja e outras cinco online.
Qual foi a mudança do modelo de negócios?
A gente criou o Hub, trouxe as editoras para trabalharem com a gente na ponta. Eu não sou mais o responsável pela venda. As editoras são responsáveis, elas têm contato com o cliente. O varejista e a indústria trabalham juntos na ponta. Começamos com isso no fim do ano passado.
Por isso as lojas da Cultura estavam com estandes de editoras (em vez das sessões tradicionais)?
Sim, exatamente. A gente tenta fazer isso há muitos anos, mas começamos no fim do ano passado e o modelo pegou tração em dezembro. Janeiro estava com uma perspectiva muito boa, mas sofremos atraso por conta do caso Americanas, que foi um baque no varejo. Em fevereiro, vínhamos forte.
A Alvarez & Marsal reclamou no processo por diversas vezes de falta do fornecimento de informações por parte da Cultura e falta de pagamento dos honorários também.
A gente admitiu isso nos autos, tivemos problemas, sim. Na pandemia, tivemos de reduzir muitas lojas, perdemos equipe. Falamos que estávamos nos reestruturando para transmitir as informações corretas. A gente admite que teve problemas e estamos corrigindo.
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A decisão cita indícios de fraudes. A origem do questionamento é uma série de repasses da Cultura feito aos sócios (família Herz) como supostos reembolsos de despesas. Como você vê esse questionamento?
A empresa só está viva hoje porque os sócios colocaram muito dinheiro no negócio para cobrir despesas do dia a dia. Inclusive durante a pandemia. É natural que haja reembolsos, mas a quantidade de dinheiro que nós sócios colocamos na companhia não chega perto nem de décimos do que possa ter havido de reembolso. Atraso de informações contábeis e acusações como essa não deveriam levar à falência. Nenhum credor pediu a falência.
Hoje, as grandes editoras retiraram boa parte dos estoques da livraria no Conjunto Nacional, como a Record e a Companhia das Letras. Como fica a viabilidade da operação enquanto a questão do recurso não é resolvida?
Tivemos editoras que tiraram exemplares e outras que colocaram. Uma notícia dessas (da decretação da falência) causa um certo pânico, as pessoas se assustam e traz essa movimentação. Mas é importante dizer que a nossa operação continua, está tudo aberto, iremos recorrer da decisão da falência.
Temos confiança que podemos reverter essa situação e as editoras estão trabalhando com a gente, mas elas seguem protocolos de governança. As editoras estão esperando o recurso e a obtenção de uma decisão favorável para montar (estandes novamente). Não tenho dúvidas que é um tumulto, é chato, é triste, não precisávamos estar acontecendo isso, mas estamos trabalhando com as editoras, não rompemos com nenhuma. Elas têm dito que precisam seguir regras de compliance mas que se houver liminar, voltam. Tudo é conversado e nossa relação é boa, elas estão preocupadas com o efeito Americanas também. Foi um baque grande.
O varejo de fato passa por uma crise, mas como sobreviver?
Está todo o mundo assustado, o cenário não é simples de prever, de saber o que acontecer. Todos estão sendo conservadores. Se eu estivesse do lado das editoras, talvez fizesse o mesmo, não dá para reclamar. O nosso trabalho é ter uma política de transparência, mostramos tudo o que está acontecendo. Temos portas abertas. A Cultura tem uma história muito linda, passou por uma crise complexa e passou por uma pandemia. Se a gente fosse uma empresa saudável, seria pesado, mas já estávamos em recuperação judicial.
Os proprietários do imóvel no Conjunto Nacional protocolou uma petição no processo nesta sexta-feira cobrando o pagamento de aluguéis e mencionando despejo. Como está essa situação?
A gente tem uma relação fantástica com os donos do imóvel, a gente paga todo mês o aluguel, mas estamos em negociação de preço, de valores. Tenho que agradecê-los, se não dessem o apoio que deram, talvez a gente não estivesse mais lá. Eles são profissnais e por isso colocam a questão no processo, mas são gente exemplar, admirável e que gostam da Cultura.
Texto e imagens reproduzidos do site: oglobo.globo.com
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