Digital x impresso
Zuenir Ventura, O Globo
Espalhados pelo chão, empilhados sobre a mesa, em cima das
cadeiras, dezenas de livros aguardavam voltar para as estantes, de onde foram
retirados por causa de uma pequena obra em casa.
Eu acabara de ler no Prosa & Verso uma matéria que me
pôs a pensar sobre o futuro deles. Será que teriam utilidade para Alice daqui a
uns 15 anos?
O debate no suplemento era sobre os efeitos do mundo digital
sobre a leitura, a competição entre internet e texto impresso, fazendo lembrar
a antiga discussão entre o que Umberto Eco chamou de “apocalípticos e
integrados”, para definir os que temiam e os que aceitavam a comunicação de
massa.
No artigo em que procurava desfazer o clima maniqueísta da
disputa, Pedro Doria analisava os mais recentes trabalhos que tratam do tema.
O apocalíptico dessa história é Nicholas Carr, autor de “A
geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”.
Recorrendo ao próprio exemplo, ele confessa que antes passava horas mergulhado
em extensos trechos de prosa. “Agora, raramente isso acontece. Minha
concentração começa a se extraviar depois de uma ou duas páginas.”
Na mesma linha, outro intelectual dizia que ninguém mais lê
“Guerra e paz” por ser “longo demais”. A internet teria mudado nosso jeito de
ler, passando de linear, sequencial, para uma forma fragmentada, desatenta,
interrompida por hiperlinks.
Olhei à minha volta e percebi o quanto havia de volumes
“longos demais”, que daqui a pouco estariam condenados, segundo essa tendência.
Ali estavam “Ulisses”, de James Joyce, 888 páginas); “Gênio”, de Harold Bloom
(828); “Pós-guerra”, de Tony Judt (847); “Casa Grande & Senzala”, de
Gilberto Freyre, 40 edição (668); “Os sete pilares da sabedoria”, de T.E.
Lawrence (782), entre muitos outros.
Será que a humanidade não iria produzir mais uma “Divina
Comédia”, um “Lusíadas” ou um “D. Quixote”? Será que só haverá lugar para
mensagens de 140 toques? Talvez, se estivermos fabricando o que Carr chamou em
entrevista a Guilherme Freitas de “leitor distraído, que não lê com profundidade;
passa os olhos no texto, lê na diagonal”. Decodifica apenas, em vez de “um
sofisticado ato de interpretação e imaginação”.
A questão, porém, é mais complexa, como se depreende do
ensaio do professor João Cezar de Castro Rocha na mesma edição. Ele mostra que
o advento da palavra impressa causou impacto parecido no universo da palavra
falada e escrita. Décadas depois da invenção dos tipos móveis, o livro foi
comparado a uma catedral, com um final que se anunciava infeliz: “O livro
destruirá o edifício; a imprensa superará a arquitetura.”
Agora, voltou à moda decretar o fim do impresso. Para quem,
como eu, acredita na convergência e não no antagonismo entre as tecnologias de
comunicação, o consolo é que os que anunciaram a morte da imprensa e do livro
morreram antes.
Texto reproduzido do site: oglobo.globo.com/pais/noblat
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