Cida Caldas, a mulher que transformou a paixão por livros em
profissão
Dona de um sebo há 33 anos, ela se reinventa mesmo no mundo
das novas tecnologias .“É emocionante lidar com livros raros, antigos ou
autografados pelos autores."
By RYOT Studio e CUBOCC
Viver no meio de livros, não apenas os que contam, mas o que
têm história. Edições antigas, páginas marcadas pela assinatura de um autor que
já morreu, um exemplar raro que não se encontra mais em nenhuma livraria. É o
sonho de qualquer amante da literatura e uma realidade para Cida Caldas, de 55
anos. Ela criou um sebo de sucesso que movimenta Brasília há mais de três
décadas. Ali fez amigos, criou uma comunidade, insistiu na beleza do antigo,
transformou o lugar em ponto de encontro para falar do que ela mais gosta na
vida: livros.
Cida nasceu quase junto com a capital federal, em 1963. Na
cidade sonho de Juscelino Kubistchek, ela cresceu, se formou e logo teve o
primeiro filho. Nesse período, trabalhava em uma livraria e morava em uma
kitnet em cima de uma quadra comercial. "Na época eu já pensava em ter meu
próprio negócio, mas não tinha grana. Trabalhava numa livraria que tava numa
fase difícil e ia fechar. Falei pra minha chefe; 'sei que você está numa
situação complicada, você não quer pagar minha recisão em livros e umas estantes?'.
E ela topou", relembra.
A minha relação com livros foi sempre muito intensa, meu
primeiro emprego não podia ter sido diferente: foi numa livraria.
Ela juntou os livros que tinha ganhado, com os que tinha em
casa, e no pequeno apartamento 2012 no bloco C da quadra 406 Norte começou a
vendê-los. "Era uma coisa bem pequena, eu cuidava do meu filho que tinha
um ano, recebia as pessoas, passava um café. E contava muito com a ajuda do meu
marido e da minha sogra. E com ela, em especial, me uni muito como
mulher", conta. Cida acabou passando em um concurso como professora e foi
dar aulas, mas sempre com a cabeça no negócio. Ainda que tivesse que trabalhar
e estudar, com o tempo, conseguiu alugar uma loja pequena no comércio debaixo
da sua kit.
Um acontecimento, no entanto, mudou um pouco o rumo das
coisas, mas não a sua perseverança. "Nesse período, aconteceu uma coisa
muito triste. Perdi meu marido num acidente de carro. Foi muito difícil.
Ficamos eu e minha sogra, sendo que ela cuidava da loja pra mim. Diante da
situação, o meu cunhado que morava nos EUA, que inclusive estava com ele no
acidente e sobreviveu, abriu mão de tudo lá e veio pra Brasília. Ao mesmo
tempo, com a entrada dele, começamos a crescer, alugamos a loja do lado e
seguimos assim", relembra.
Ter uma livraria é bem diferente de ter um supermercado.
Você tem que gostar e conhecer o produto muito bem.
A loja está sempre movimentada e agora abriga um café e
bistrô que não fica vazio.
O Sebinho começou a ficar conhecido na cidade por quem
queria encontrar livros raros e mais acessíveis. Não tinha propaganda e nem
rede social que ajudasse, era o boca a boca que faziam as pessoas aparecerem. E
Cida começou a se afastar do trabalho como professora e estar cada vez mais lá
entre os livros e entre as pessoas. "Tem clientela que virou amigo e que
acompanham a gente até hoje. Aqui virou um ponto de cultura, onde as pessoas
vem pra ler, conversar com amigos, professores vem encontrar alunos, é bom
demais, é minha segunda casa. A minha palavra é gratidão ao universo pelo
trabalho que eu tenho e amo de paixão".
Três décadas depois, Cida analisa o espaço que tem hoje: ele
ocupa todo o prédio e subsolo, bem distante daquele espaço pequeno onde tudo começou.
A loja está sempre movimentada e agora abriga um café e bistrô que não fica
vazio. "Gosto de olhar pra trás e ver quanto caminho eu já trilhei para
chegar até aqui. Quem vê da forma como é hoje não tem noção da luta que foi. A
gente sempre foi muito perseverante, e sempre teve a mente aberta. Várias
livrarias fecharam em Brasília quando as grandes abriram. E muita gente me
pergunta: 'como vocês conseguem sobreviver?' Não é questão de sobrevivência,
tudo passa por um entendimento do seu público e da gestão do negócio",
revela a empresária.
É emocionante lidar com livros raros, antigos ou
autografados pelos autores.
Cida entendeu muito rápido que precisava manter sua
autenticidade. Foi assim que transformou os primeiros 100 livros, em mais de 90
mil títulos que tem hoje. "Normalmente quando você vai numa livraria de
livros novos, mesmo que você não tenha uma lista, você sabe exatamente o que vai
comprar. O sebo já é uma viagem no tempo, ele mexe com a sua memória, ele faz
você procurar. Tem gente que vem aqui e passa o sábado inteiro na loja. Já
presenciei gente suspirando nos corredores dizendo 'poxa, essa coleção tinha no
meu avó ou esse livro pertenceu ao meu pai ou minha mãe'. De alguma forma, você
acaba passeando e encontrando história", diz.
A paixão pelos livros é o que permeia a vida e o trabalho de
Cida. No ano passado, ela leu 78 livros, uma média de quatro por mês. "Uma
coisa vai puxando a outra, e isso vai muito pelo fato de eu estar nesse
ambiente. E muitos gente chega aqui e me indica também: 'você não leu esse
livro? Tem que ler'", conta. "A leitura é um processo muito
solitário, então a gente tá sempre querendo encontrar alguém pra falar sobre
livros. Fiz uma roda de leitura e a gente se reúne uma vez por mês, cada
semestre tem um tema, neste por exemplo, estamos passando pela literatura
japonesa", conta.
A leitura é um processo muito solitário, então a gente tá
sempre querendo encontrar alguém pra falar sobre livros.
Ela lida não apenas com a venda, mas a compra deles,
diariamente. Vai até a casa das pessoas, caso haja um acervo com mais de mil
títulos e nestes caminhos encontrou algumas peculiaridades. "Algumas
coisas foram muito significativas pra mim, como a primeira edição do Grande
Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Ver livros que fizeram parte da minha infância
e no decorrer da vida sumiram. Lembro quando encontrei uma coleção de capa dura
de uns livros do Monteiro Lobato que queria muito quando pequena". E se
lembra todo dia das histórias que seus livros perpetuam com outras pessoas.
Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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