JORGE AMADO EM PARIS, 1948.
CRÉDITO: ACERVO FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO
Publicado originalmente no site da revista Carta Capital, em 1 de janeiro de 2019
O outro lado, também político, de Jorge Amado
Por Marina Gama Cubas
“Não conte, mostre.” Foi com esse conselho, a bagagem de
jornalista do mundo das letras e a formação de historiadora que Josélia Aguiar
escreveu Uma biografia: Jorge Amado (ed. Todavia), obra que revela em mais de
500 páginas a história de um dos grandes nomes da literatura brasileira. “O
livro poderia ter o dobro do tamanho e ainda assim não seria chato”, diz a
biógrafa.
JOSELIA AGUIAR, BIÓGRAFA DE JORGE AMADO.
CRÉDITO: SILVIA CONSTANTINI
CRÉDITO: SILVIA CONSTANTINI
A missão de escrever sobre Jorge Amado lhe foi dada há sete
anos. Era 2011 e, em pouco mais de um ano, seria celebrado o centenário do
escritor baiano. O plano era lançar o livro nesse período, mas logo nos
primeiros meses de pesquisa, a jornalista percebeu que o deadline era curto
demais. Havia muita vida em Jorge Amado e em sua época.
Conhecido por sua militância na literatura, pouco se fala de
seu papel no mundo político-partidário. “Ele entra para a juventude comunista
em 1932. Nesse período, faz uma obra que é considerada muito militante – Cacau,
Suor, Jubiabá, Cara Vermelha -, em que, quase sempre no final, o herói sempre
se engaja na luta. Eram nos livros que ele indicava ao leitor para se tornar
comunista e fazer greve.”
Biógrafo
No Partido Comunista, ele foi considerado um quadro fiel.
Participava das reuniões e atuava inclusive nas questões burocráticas da sigla.
Seu nome ganhou maior importância de fato após lançar a biografia de Luís
Carlos Prestes, escrita enquanto estava no exílio. Vida de Luís Carlos Prestes:
O Cavaleiro da Esperança, lançado antes na Argentina (1942) que no Brasil, foi
um sucesso de público.
“No Brasil, os leitores receberiam a obra clandestinamente:
encontradas por vezes a preços exorbitantes, era também consumida por meio de
cópias datilografadas e fac-símiles. O aluguel do exemplar também era possível.
Para despistar, leitores referiam-se ao livro por títulos como “Vida de são
Luís’, Vida do rei Luís’ e ‘Travessuras de Luisinho’”, descreve Joselia no
livro.
Parlamentar
Poucos anos mais tarde, Jorge foi lançado por seu partido a
deputado federal. “Hesitei longamente, e aceitei a custo. Não acredito em
Prestes e na atual direção do Partido”, escrevera em seu diário em novembro de
1945, colhido pela biógrafa. Nesse período falava, na sua intimidade, um Jorge
que começava a ver as contradições do próprio partido.
Na Assembleia Constituinte, junto com Marighella, foi autor
do primeiro discurso feito pela bancada comunista, proferido por Claudino José
da Silva, ex-ferroviário e marceneiro, era o único negro alí. Os dois acabaram
se tornando os redatores oficiais do partido naquele período.
Não foi apenas do talento oratório que Jorge se firmou no
Parlamento. Ele foi autor de projeto de lei que passou a vigorar a partir da
Constituição de 1946, que garantia a liberdade religiosa do país. “Não se
extinguiu o preconceito, no entanto, não havia mais permissão para perseguir
pais e mães de santos nos terreiros”.
“Para a aprovação do projeto, Jorge usou de uma habilidade
que carregou a vida inteira: conversar com todos os setores”, conta Josélia.
Ele buscou apoio da direita antes de procurar seus companheiros de sigla, com
isso aprovou tranquilamente seu projeto.
Jorge apresentou outras 14 emendas ao projeto de
Constituição. Alguma delas previam a isenção do tributo a importação e produção
de livros, periódicos e papel de imprensa; a concessão de habeas corpus aqueles
que eram vítimas de de arbitrariedades policiais; o fim da censura prévia em
livros e jornais; e a contrariedade a obrigação do ensino religioso nas
escolas.
“O partido é cassado e os deputados, idem, em 1948. Jorge
vai para o exílio na França e na República Tcheca. Nessa época, se torna um
quadro importante entre artistas, escritores e cientistas do Movimento pela
Paz, braço soviético na batalha cultural”, conta.
O escritor só retornou ao Brasil em 1952 e publica Os
subterrâneos da liberdade, seu livro ideologicamente mais marcado. A
desconfiança de que as coisas na cortina de ferro não aconteciam como
imaginava, por causa da delação e prisão de amigos que considerava inocentes e
eram acusados de conspirar
Diálogo
Na reabertura política chegou a dizer: “Precisamos dar
expressão partidária da extrema direita a extrema-esquerda”. “Ele acha que as
coisas funcionam democraticamente quando todos os partidos possam existir. É o
Jorge Amado”, afirma Josélia.
Homem de esquerda até a morte nunca, deixou de conversar com
à direita, aliás, encargo que o fazia tão precioso ao partido. “O que, para
ele, era problema para ele era o reacionário. Liberal ou socialista. Isso nunca
foi um problema mesmo nos momentos em que ele é extremamente militante. Sendo
uma pessoa inteligente, que conversa e que debate era o suficiente. “Ele sempre
dizia que o problema era o reacionário, era o latifúndio”.
A partir de 1956, ele decide sair à francesa das atividades
partidária. “Jorge se afasta para ser escritor, mas ele não deixa de ser um
homem de esquerda. O que ele diz é que na época dele você só era comunista e
que hoje – quando ele dá essas entrevistas nos anos 90 – já é possível ser de esquerda
de outra maneira, não apenas da maneira dele, no passado. Ele acredita num
socialismo com liberdade porque sem liberdade é ditadura e ditadura é uma
merda, tanto de direita como de esquerda”.
Há muita vida em Jorge Amado e sua época. Esses são apenas
alguns pontos da história do escritor e homem de esquerda. Há outras centenas
no livro.
Texto e imagem reproduzidos do site: cartacapital.com.br
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