Relações Literárias - ÉRICO VERÍSSIMO
Por Darcy Ribeiro
“Os brasileiros não se conceberiam se não fossem, por
exemplo, os gaúchos. Ficariam bestificados se alguém contasse de boca aquelas
coisas que o Érico Veríssimo contou. Nos livros dele, o gaúcho se vê
gloriosamente, isso é formidável”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/1996 – Roberta Jansen
Por Luiz Antonio de Assis Brasil
Érico Veríssimo é um ícone da nossa cultura, um de seus
formadores – e seu representante máximo. Sua capacidade fabuladora (dizia-se
ele mesmo um contador de histórias) arrebata o leitor. Ele faz parte de uma
vertente que iniciou com João Simões Lopes Neto e transita por Josué Guimarães,
Cyro Martins e outros. Esses escritores têm, em comum, a representação (muitas
vezes crítica) da anima gaúcha. É natural que qualquer escritor que tenha seus
temas situados no Rio Grande do Sul acabe, de uma ou de outra forma,
percorrendo sendas compartilhadas. Não vejo Érico como uma sombra, mas como um
intelectual que, dotado de impecável coerência, ensinou-nos o profissionalismo
da escrita”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2001 – José Castello
Por Lya Luft
O Érico Veríssimo era meu compadre, ele e a Mafalda [Halfen
Volpe] foram padrinhos de um dos meus filhos. E eu, muito jovenzinha, eu ficava
na casa deles, eu ficava quieta, escutando, e eu gostava muito deles, dos dois,
a minha comadre Mafalda foi sempre o meu modelo. Era uma velha de noventa anos
que eu visitava sempre que podia, para tomar uísque no final da tarde... Érico
Veríssimo, mexeu muito na minha vida quando eu era menininha com um livro
chamado Joana Darc [A vida de Joana Darc (1953)], aquela linguagem translúcida,
a tranqüilidade do fraseado, é um livro infanto juvenil.
Fonte: Programa Roda Viva, da TV Cultura, 05/05/2008
por Lygia Fagundes Telles
“Érico teceu uma ficção que se complementa, que forma uma
coroa de sonetos, para usar um imagem literária empregada na poesia... Seus
livros formam uma guirlanda... Érico era uma pessoa muito generosa; é
impossível ter convivido com ele sem ser tocado pelo exemplo de intelectual
digno e participante”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/1999 – Luiz Carlos Merten
Por Moacyr Scliar
“Minha dificuldade é separar o Érico escritor do Érico
pessoa. Na realidade, não o conheci a fundo: nos encontramos poucas vezes. Mas
conversar com Érico sempre me causava uma forte impressão. Lembro
particularmente seu olhar – penetrante, e ao mesmo tempo um pouco tímido, um
pouco angustiado. A impressão que me dava era de que ele tinha consciência de
sua importante posição como escritor, e aquilo de certa maneira o assustava. Me
recebia bem, me ajudou o quanto pode – o que já é em si uma coisa excepcional.
O principiante é freqüentemente um chato, com suas pastas de cartolina cheias
de contos; não é todo escritor veterano que tem paciência para essas coisas.
Érico, neste sentido, era excepcional... Érico fez outra coisa importante. Deu
a Porto Alegre (e também ao Rio Grande do Sul e ao Brasil, mas fico só com a
minha cidade) uma dimensão literária .O que já é uma proeza. Porto Alegre não é
Salvador nem o Rio, lugares em que a natureza é exuberante, em que a história
está presente em cada esquina, em que os personagens são típicos. Porto Alegre
é uma cidade que precisa ser descoberta. Érico conseguiu-o”.
Fonte: Singular & Plural (SP), n.3, fev. 1979
Por Viana Moog
"Aquele, porém, dos escritores gaúchos com quem mais
tenho convivido é Érico Veríssimo, e a este não saberei dizer o que devo, sendo
certo, porém, que todos nós lhe somos devedores de um enorme serviço: foi Érico
quem, acabando com a lenda romântica do intelectual boêmio, sujo e faminto,
valorizou no Rio Grande a profissão de escritor. Érico foi dos primeiros
romancistas no Brasil a tirar de seus livros edições de dez e vinte mil
exemplares e com isso mostrou que também em nosso país, senão agora pelo menos
num futuro não muito distante, será possível ao escritor viver exclusivamente
da pena"
Fonte:SENNA, Homero. República das letras. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996,
Por Wilson Martins
“O Érico é o grande injustiçado desse período todo. Já naquela
altura ele era considerado um burguês, um homem que não era de esquerda – ele,
aliás, passou o resto da vida tentando mostrar que era de esquerda, o mais
esquerdista de todos, ninguém aceitava. É um escritor esquecido. Agora essas
reações e fantasias são de pessoas com raiva da história, que querem varrer o
Érico da historia da literatura brasileira”.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/1997 – Norma Couri
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Entrevista publicada originalmente no jornal Opinião (SP),
de 05/02/1973, com o título: Sou contra a censura, e republicada em VERÍSSIMO,
Érico. A liberdade de escrever: entrevistas sobre literatura e política. São
Paulo: Globo, 1999, de onde foi extraída.
Porto Alegre, Érico Veríssimo falando a Opinião: "Quero
começar com um elogio (...). Agora vem a reclamação. Quase todas as perguntas
que vocês me fazem na realidade exigem como resposta um longo ensaio. Ora, não
sou ensaísta. Um romancista é antes de mais nada um intuitivo. Quando ele se
aventura a analisar seus próprios livros, a fazer a sua exegese, mete os pés
pela mãos. Se há uma coisa que não me preocupa nem me ocupa agora é a
interpretação dos livros que já escrevi e publiquei. Dados esses
esclarecimentos, vamos às respostas".
- A História é a matéria básica da sua ficção em pelo menos
dois livros seus: O tempo e o vento e Incidente em Antares. Qual a importância
da realidade histórica para a sua literatura?
Ninguém pode fugir à História... e lá se foi o primeiro
lugar-comum. Clara ou oculta, essa "senhora", está presente em todos
os meus romances. Sempre considerei importante. Não só ela mas também esse
cavalheiro, mais misterioso ainda, sem o qual ela não poderia existir: o Tempo.
Como é possível desenvolver, fazer viver um personagem, um grupo social, fora
do tempo e da História? Como se poderia contar uma fábula num vácuo temporal e
espacial? Claro, com artifícios de linguagem, com refinamento de técnica, é
possível dar ao leitor a impressão de que o romance não tem quando nem onde.
Acho que qualquer autor tem o direito de escrever o que entende, o que sabe,
esquivando-se do que lhe pode confundir o espírito. O importante é que o livro
seja bom. É preciso não esquecer que a História não é sinônimo perfeito de
Política ou que a política não pode ou deve ser sempre partidária. No meu caso
particular, tenho sido naturalmente levado em minhas ficções para problemas
políticos que vivi, em geral, como espectador. Graças aos meios de comunicação
modernos, hoje em dia os acontecimentos nos chegam de todos os quadrantes do
mundo com mais rapidez e força.
- No Prefácio de O reino deste mundo, Alejo Carpentier
postula para o romancista latino-americano a necessidade de incorporar à sua
ficção a "realidade mágica". O senhor o faz, em certa medida, em
Incidente em Antares. Acha que esse também é um caminho para a nossa
ficção? Cem anos de solidão
Conheci Alejo Carpentier em 1954, quando ele estava exilado
na Venezuela por causa da ditadura do sargento Batista. É um grande romancista
(Alejo, não Batista). Concordo com ele quanto à fatalidade, digamos assim, que
nos impeliu para o "realismo mágico". Note-se que o adjetivo
"mágico" aqui significa também "absurdo". Nossa América
Latina é um território de prodígios, de maravilhas e misérias, de sustos e
êxtases. Nela tudo pode acontecer. Seu tamanho, suas selvas e cordilheiras, sua
gente sofrida e estranha, sua História nos induzem a uma realidade que pouco
tem a ver com o "normal" cotidiano. Principalmente a América
espanhola. Todos os "impossíveis" que nos narra o incomparável
Gabriel Garcia Márquez em "Cem anos de solidão" tornam-se uma
realidade que o leitor aceita. Não creio que tenha feito propriamente
"realismo mágico" em "Incidente em Antares". O realismo
mágico verdadeiro é o desses romancistas hispano-americanos (Cortázar, Carpentier,
Borges...e quantos outros mais?). É todo um clima que pervaga o romance ou o
conto do princípio ao fim. Se acredito que esse "realismo mágico"
pode ser um caminho para a nossa ficção? Ora, todos os caminhos nos estão
aberto. É muito perigoso traçar roteiros definitivos para qualquer literatura.
Pensemos, por exemplo, no Rio Grande do Sul, na nossa paisagem verde e
desafogada, na nossa população de origem europeia, na nossa pobreza folclórica,
na nossa quase ausência de "mistério à flor da terra" e havemos de
concluir que o realismo mágico aqui seria algo postiço. Mas está claro que
temos muitos assuntos ainda inexplorados no nosso Estado. Josué Guimarães acaba
de atirar-se corajosamente a um deles em "A ferro e fogo", primeira
parte de uma trilogia sobre a colonização alemã no R.G. do Sul, e da qual nos
deu recentemente o primeiro volume: "Tempo de solidão". Recorrendo
aos que me leem, esse romance é feito com grande economia verbal, eu diria
mesmo escrito em preto e branco, Josué Guimarães consegue nele criar uma
atmosfera, o que me parece das coisas mais difíceis em ficção.
- De Clarissa a Incidente em Antares haverá, certamente, uma
evolução na sua literatura. Quais as linhas-mestras dessa evolução?
Eu lhe pediria que eliminasse, de saída, a expressão
linhas-mestras, que me assusta um pouco e pode me embrulhar o espírito. Usando
de uma simplificação que os psicólogos não aprovam, direi que tenho dentro de
mim um poeta, um romântico em turras permanentes com um realista dotado de veia
satírica. Em Clarissa predominou o poeta, ou se preferirem, o pintor
aquarelista. Logo depois o satirista chutou o poeta e escreveu Caminhos
cruzados. A seguir, ambos se uniram e produziram Um lugar ao Sol. Pode-se
passar a vida escrevendo novelinhas-poemas como Clarissa se fecharmos os olhos
a certos aspectos sórdidos e negativos da vida. Gosto muito do ditado
anglo-saxão segundo o qual " é preciso um pouco de tudo para fazer-se um
mundo". É preciso saber que as condições econômicas de minha vida pessoal,
particular, influenciaram muito os romances que escrevi entre 1933 e 1940.
Observe-se como meus personagens dos livros dessa época preocupavam-se com as
contas a pagar no fim do mês. Eu trabalhava longa e duramente durante mais de
12 horas por dia. Traduzia livros de várias línguas para o português (mais de
40), inventava histórias para programas de rádio para a infância, armava
páginas femininas para o Correio do Povo, tudo isso enquanto trabalhava na
revista e na editora da Livraria do Globo. Isso explica a pressa com que
escrevi meus próprios romances naquela década de 30. Considero essa fase de
minha carreira um período de exercícios em que me preparei, consciente ou inconscientemente,
para a obra com que comecei a sonhar depois de 1935 e que acabou sendo
publicada a partir de 1949 sob o título geral de O tempo e o vento. Depois de
Olhai os lírios do campo, romance cheio de defeitos, mas com grande carga emocional,
comecei a ganhar royalties que melhoraram minha situação econômica. Pude
trabalhar mais devagar e tive mais tempo para ler... e para me ver e julgar.
- Na publicidade de Incidente em Antares usou-se a frase:
"Num país totalitário este livro seria proibido". O senhor submeteria
um livro seu à censura? Por que?
Já disse muitas vezes que jamais submeterei um livro meu à
censura prévia. Acho isso degradante, além de absurdo. Se André Gide, que leu a
grande obra de Marcel Proust ainda em originais, não recomendou a sua
publicação à editora Gallimard, que esperança podemos ter num comité de
críticos literários improvisados e composto de membros da polícia federal ou de
qualquer outra polícia, ou mesmo da Academia Brasileira de Letras. Repito que
sou contra a censura, mas devo qualificar essa minha posição. Só merece
liberdade quem tem consciência de sua responsabilidade profissional.
- Ao escrever Incidente em Antares o senhor se apoiou,
naturalmente, numa certa interpretação histórica da realidade brasileira
contemporânea. A seu ver, quais os fatos decisivo que conduziram ao movimento
militar de 1964?
A revolução de 1964 de certo modo começou nos tempos em que
se tentou impedir que Juscelino Kubitschek, legalmente eleito, tomasse posse.
Atingiu um momento de alta periculosidade quando Jânio Quadros renunciou. Desse
momento em diante, os dados estavam irremediavelmente lançados: o resto era questão
de oportunidade, e essa oportunidade foi fornecida pela inabilidade de
políticos da situação como, por exemplo, Leonel Brizola, que dizia muitas
coisas certas, mas com a entonação errada e de maneira estabanada e inoportuna.
Os políticos profissionais têm - não esqueçam - sua grande dose de culpa em
todo esse processo que levou à revolução de 1964 e que começou pouco antes da
proclamação da República. Nos anos que se seguiram, o Exército foi tantas vezes
chamado a intervir nas revoluções tramadas pelo políticos (que mandavam
soldados para a caserna mal conquistavam o poder) que, como era de se esperar,
um dia arraigou-se a idéia na cabeça dos militares.
- Vargas é personagem de Incidente em Antares. A seu ver, o
varguismo como ideologia e estilo político está completamente morto?
O varguismo está em "artigo de morte", como diria
Manuel Bernardes. (Não confundir com o Presidente Arthur Bernardes). Isso não
quer dizer que a imagem de Getúlio esteja apagada de todas as mentes. Mas não
creio nem desejo que o varguismo como estilo político volte a vigorar entre
nós. Digo isso sem rancor, pois gostava pessoalmente do homem Getúlio, embora
reconhecendo os erros que cometeu. Acho que foi dos personagens mais dramáticos
da História do Brasil em todos os tempos. Sinto ainda uma ponta de tristeza
quando o imagino (como fazia Dona Quita Campolargo, em Incidente em Antares) em
sua última noite de solidão e abandono no Palácio do Catete.
- A última cena de Incidente em Antares é um estudante que
vai escrever a palavra "liberdade" num muro e é baleado pela polícia.
De que maneira o senhor encara as restrições atuais à participação política da
classe estudantil?
Pensei que essa cena tivesse deixado bem claro o meu
pensamento a respeito do assunto. Sou favorável à participação, não só da
classe estudantil, como também de todas as outras classes do Brasil na nossa
vida política, através do sufrágio universal e da possibilidade de
candidatar-se a um cargo público. Nunca fui partidário do terrorismo, que não
leva a nada de construtivo, mas por outro lado, sempre repudiei a tortura como
método (ou como esporte) e sou positivamente contrário à condenação de quem
quer que seja por "delitos de opinião". Ninguém é criminoso por ter ideias...
a não ser que se trate de ideias que levem deliberadamente ao niilismo, ao
crime, ao caos.
- O seu estilo sempre foi dos mais despojados da literatura
brasileira, aproximando-se bastante do jornalístico. O senhor considera isso
uma fórmula peculiar sua ou uma normativa a ser seguida por todos os escritores
que buscam maior comunicação com o público?
É a minha maneira de ser. Mas acho que cada escritor deve
ser o que é, escrever como entende, usar mais ou menos adjetivos, frases mais
curtas ou mais longas. Acredito também que às vezes é o assunto de um livro que
dita o seu estilo. Comunicar-se a gente com o público é muito importante. Há em
literatura duas coisas igualmente perniciosas e nem sei qual a pior. Uma é
tornar-se vulgar, chulo, chão, sensacionalista para conquistar um público mais
vasto. A outra é fazer-se hermético para ser entendido somente pelas elites,
pelos eleitos. Mas repito que os escritores são como são. Cada qual deve ser
dono de seu nariz: errar ou acertar por conta própria.
- Um balanço da cultura brasileira em 1972 demonstra que
esse não é um momento particularmente criador, seja na música popular, no
cinema, no teatro e na ficção, terrenos em que nos mostrávamos férteis há dez
anos. A seu ver, a que se deve essa inibição generalizada?
Não sei com certeza se em matéria de criatividade estamos
atravessando um período pobre na música popular, no cinema, no teatro e na
ficção. Mas o que posso dizer claramente é que a censura não ajuda em nada o
criador, e que a pior censura é aquela que acaba infiltrando-se aos poucos nas
nossas cabeças, como um cavalo, ou melhor, um burro de Tróia. A criação é um
ato de amor e de liberdade. Houve na História, eu sei, escravos que produziram
obras de arte, mas isso não quer dizer que se possa trabalhar num ambiente de
"não pode", "é proibido", "dá cadeia". Olhem para
os países que têm censura e me digam o que aconteceu à sua arte e à sua
literatura. Vejam o que se está fazendo na Rússia com Soljentitzyn e outros escritores.
É uma indignidade. E quem faz isso são os homens que cresceram, tornaram-se
adultos durante os regime stalinista de terror e obscurantismo, isto é, gente
que nunca conheceu a liberdade de pensar e de criar. E a extrema direita é tão
má quanto a extrema esquerda. Sim, vocês têm razão, a inibição que perturba
nossos artistas plásticos e nossos escritores, compositores, pensadores,
jornalistas é causada pelo clima criado pela censura. Pessoalmente não fui
ainda censurado, mas isso não me faz feliz, pois não quero, como meia dúzia de
outros escritores, ser exceção num país de quase cem milhões de habitantes.
- Mais ou menos a partir de 1968 vivemos em clima de
euforia, "em ritmo de Brasil grande", na fórmula oficial. A seu ver,
se justifica esse clima de otimismo?
Acho que se justifica. Nesses últimos anos, o Brasil tem
crescido e em alguns setores as melhoras são visíveis a olho nu. Está claro que
só temos estatísticas oficiais e nunca sabemos ao certo do que se passa nos
bastidores da política. Não posso negar a Transamazônica, a melhor qualidade
dos serviços postais e muitos outros empreendimentos. O que eu acho é que tudo
isso se poderia fazer num regime democrático, dentr oda velha Constituição,
contanto que ela fosse realmente cumprida a rigor.
- O primeiro livro da trilogia O tempo e o vento descreve a
incorporação do índio à civilização luso-brasileira. A seu ver, através de que
formas se deu essa integração?
Não sei. Desculpe-me. Não sei. Façam essa pergunta um
especialista.
- O gaúcho valente e altivo parece historicamente
desaparecido há muito tempo, embora o rio-grandense de hoje tenha herdado
alguma coisa dele. Quais os traços dominantes na psicologia e no comportamento
do rio-grandense médio em 1972?
O gaúcho altivo, valente, varonil, nobre, bom amigo,
generoso é um arquétipo. Hoje em dia alguns (ou muitos?) rio-grandenses
procuram viver de acordo com essa imagem idealizada. Ouço de turistas que o
gaúcho é hospitaleiro, simpático, serviçal. Os Centros de Tradições Gaúchas
deviam procurar estimular essas qualidades, dando menos atenção ao aspecto da
indumentária gauchesca. A mistura de sangue é muito grande entre o nosso povo.
O contingente de sangue italiano e alemão é considerável nos habitantes deste
Estado. A incidência do tipo humano de pele e cabelo claros é grande entre nós.
E não preciso dizer que nossa maneira de falar é inconfundível: quadrada,
escandida, meio seca. Linguagem de carnívoro.
- O Rio Grande do Sul sempre foi um dos Estados mais
politizados do Brasil. A que se deve isso?
Nunca tinha pensado nisso. Talvez essa politização se deva a
nossa condição de fronteira (influências do Prata) e ao fato de termos sido
durante mais de um século o campo de batalha do Brasil. Ocorre-me que temos
sido um viveiro de líderes políticos. (nem todos bons) A figura de Castilhos,
sobre quem Sérgio da Costa Franco escreveu um magnífico ensaio biográfico, é
ímpar. Borges de Medeiros foi a encarnação da política positivista. Castilhos
foi pai espiritual de Borges, e Borges pai de Getúlio, de Flores da Cunha, de
Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura. Não esqueçamos o vulto
interessantíssimo de Pinheiro Machado. E o de Luiz Carlos Prestes. É, parece
que vocês têm razão. O Rio Grande é (ou era) um Estado altamente politizado.
- Esta politização está aumentando ou diminuindo?
Creio que está diminuindo.
- Qual a grande epopéia do Brasil atual (o acontecimento
grandioso, significativo e de projeção para o futuro)?
Faça esta pergunta ao meu filho daqui a trinta anos. Minha
tendência no momento é dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem
comum, que, se continua vivo, é de teimoso.
Texto reproduzido do site: tirodeletra.com.br
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