Freqüentador do projeto de incentivo à leitura coordenado
pelo Centro Educacional Kaffehuset Friele, em
Poços de Caldas, MG:
transformando jovens em
apaixonados por livros. (Foto: Marcos Rosa)
Publicado originalmente no site da revista NOVA ESCOLA, em 01 de Julho de 2008
Ler por prazer é o X da questão
Num país castigado pelo analfabetismo, projetos de incentivo
à leitura são muito mais que bem-vindos: são fundamentais
Por Eduardo Lima, NOVA ESCOLA, Fred Linardi
Correr os olhos pelos livros dispostos numa prateleira,
escolher um deles e dirigir-se à poltrona mais próxima, seja na biblioteca, na
livraria ou na sala de casa. Melhor ainda: deixar-se escolher por uma obra
literária. À medida que as páginas são viradas, o leitor se vê transportado
para uma espécie de realidade paralela - um mundo inteiramente novo, repleto de
descobertas, encantamento e diversão. Pouco importa se quem lê é criança, jovem
ou adulto. Menos ainda se o que está sendo lido é poesia, romance ou um livro
de auto-ajuda. O que realmente interessa é a cumplicidade entre o leitor e a
obra, alicerçada no prazer que só a leitura é capaz de proporcionar.
Ler por prazer é o X da questão. Há quem leia, por exemplo,
apenas para se informar, dedicando regulamente algumas horas de seu precioso
tempo a jornais e revistas - como você, caro leitor, está fazendo neste exato
momento. Trata-se de um hábito mais que saudável, a ser preservado e
disseminado, e de suma importância na chamada "sociedade da
informação" em que vivemos. Mas ele não necessariamente irá transformar
você num apaixonado pela palavra escrita. Da mesma forma, a leitura para
estudar, parte da rotina nas salas de aula, tem suas funções pedagógicas, mas
não faz despertar a paixão pela literatura. Quem descobre prazer numa obra
literária nunca mais pára de ler. Quando chega ao fim de um livro, já está
louco para abrir o próximo. E só tem a ganhar com isso.
O papel da escola é fundamental nesse processo. E quem
melhor que o professor para despertar em seus alunos o prazer da leitura? São
muitas as atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula com esse
objetivo. "Promover um debate, por exemplo, para discutir cenas ou
situações presentes num livro que acaba de ser lido pela turma é uma prática
importante e muitas vezes esquecida", afirma a educadora Maria José
Nóbrega. O problema é que o profissional de educação nem sempre conta com os
recursos necessários para concretizar essas atividades, ou simplesmente não
sabe como implementá-las.
Quando a escola não cumpre esse papel, ganham relevância os
inúmeros projetos de fomento à leitura espalhados pelo Brasil, tema desta edição
especial de NOVA ESCOLA. Num país que ainda sofre com deficiências no ensino
público e com o alto índice de analfabetos funcionais (aqueles que, embora
tenham aprendido a decodificar a escrita, não desenvolveram a habilidade de
interpretação de texto), qualquer iniciativa que vise a transformar brasileiros
em leitores é extremamente bem-vinda.
Por que lemos tão pouco?
Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), cada brasileiro
lê pouco mais de dois livros por ano. Na Inglaterra, estima-se que a média seja
de 4,9; nos Estados Unidos, é de 5,1. Outro dado preocupante: por aqui, o tempo
médio dedicado à leitura não passa de 5,5 horas por semana, enquanto na Índia -
um país em desenvolvimento cuja situação econômica é semelhante à do Brasil - a
média é quase o dobro, de dez horas semanais. Por que lemos tão pouco? Há
várias respostas, a começar pelo desconcertante grau de analfabetismo
funcional.
O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf),
divulgado no início de 2008 pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação
Educativa, revela que apenas 28% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos
têm domínio pleno da leitura e da escrita - ou seja, conseguem ler textos
longos, localizar e relacionar mais de uma informação, comparar dados e
identificar fontes. Entre os 72% restantes, as habilidades de leitura e escrita
são rudimentares ou básicas, limitando-se à compreensão de títulos, frases e
textos curtos.
Outro fator que ajuda a explicar os índices precários de
leitura no Brasil: até o final de 2007, 380 municípios de todo o país - cerca
de 7% do total - simplesmente não contavam com uma biblioteca pública sequer. A
situação já foi bem pior: em 2003, eram 1 173 as cidades sem esse serviço. No
entanto, construir bibliotecas Brasil afora e enchê-las de livros não significa
resolver o problema. É preciso prepará-las para atingir seus objetivos, entre
os quais destaca-se o de incentivar a leitura entre crianças, jovens e adultos.
"Nos últimos 15 anos, passamos a encontrar livros em maior quantidade nas
bibliotecas", afirma Elizabeth Serra, secretária-geral da Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). "O problema é que, no
Brasil, a rede de bibliotecas públicas é muito frágil. O sistema não foi
informatizado, não há espaços planejados para os pequenos, os livros são
antigos e não há renovação anual do acervo."
Para a maioria dos brasileiros, livro ainda é artigo de luxo
Se o cidadão mora numa cidade em que não há biblioteca
pública, ou se a existente não conta com um acervo que satisfaça suas necessidades,
uma alternativa é ir até a livraria mais próxima e comprar o livro que ele
tanto quer ler. Aqui, no entanto, esbarramos em dois outros problemas, que
também explicam a dificuldade que o Brasil enfrenta para formar novos leitores.
De acordo com diagnóstico do setor livreiro, divulgado pela
Associação Nacional de Livrarias (ANL) no fim de 2007, o país conta com apenas
2 676 estabelecimentos dedicados à venda de livros. É pouco: uma livraria para
cada grupo de aproximadamente 70,5 mil habitantes. Na vizinha Argentina, a
relação é de uma para 50 mil pessoas. Para piorar, as livrarias estão
concentradas nas regiões mais desenvolvidas, justamente aquelas que também são
atendidas por um número maior de bibliotecas públicas. Mais de 50% das livrarias
ficam na região Sudeste, sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio
de Janeiro - juntos, eles reúnem 1 371 estabelecimentos. Em contrapartida, a
ANL identificou apenas 524 livrarias em toda a região Nordeste (20% do total
nacional), 132 na região Norte (5%) e 118 na região Centro-Oeste (4%). Roraima
é o estado brasileiro com o menor número de estabelecimentos dedicados à venda
de livros: apenas quatro, ou o equivalente a uma livraria para 164 mil
habitantes. O quadro é ainda pior em Tocantins, onde a média é de 181 mil
habitantes por estabelecimento.
Ter uma livraria na esquina de casa, porém, não quer dizer
muita coisa, já que livros sempre foram artigos de luxo para a maioria da
população brasileira. O preço médio do exemplar varia entre 25 e 30 reais - ou
seja, até 7% de um salário mínimo. Por falta de leitores, quase todos os
títulos editados no Brasil têm baixa tiragem, o que empurra o preço do exemplar
para cima. Se o livro é caro, as vendas não aumentam; se as vendas não
aumentam, o preço continua elevado. E o resultado é um nó que, até agora,
ninguém descobriu como desatar.
Iniciativas que despertam as pessoas para a leitura
Felizmente, nem tudo são trevas quando o assunto é o
despertar da leitura no Brasil. Nos últimos anos, algumas ações capitaneadas
pelo poder público, pela iniciativa privada e por entidades do terceiro setor -
ONGs, institutos ou associações sem fins lucrativos - vêm ajudando a reverter
essa situação. Entre elas, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), um
conjunto de projetos, programas, atividades e eventos implementado pelo governo
federal, com a participação da sociedade civil, que tem como objetivo levar a
leitura para o dia a dia do brasileiro. Também contribuem as badaladas feiras
literárias espalhadas pelo Brasil, como a Flip (Festa Literária Internacional
de Parati, no Rio de Janeiro), o Literato (Encontro Literário do Tocantins) e a
Feira do Livro de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Elas atraem milhares de
visitantes todos os anos e mobilizam a mídia em torno da importância do livro.
Para Marisa Lajolo, da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
cada uma dessas iniciativas é extremamente importante. Contudo, é fundamental
que as políticas de incentivo à leitura se descolem da mera organização de
feiras ou da criação de bibliotecas e salas de leitura. O mais urgente, segundo
ela, é investir em material humano, com a formação de mediadores de leitura,
professores e bibliotecários capazes de semear o prazer da leitura por todo o
país. "Mediadores são os instrumentos mais eficientes para fazer da
leitura uma prática social mais difundida e aproveitada."
À frente de uma verdadeira revolução silenciosa, que
raramente vira notícia, projetos de incentivo à leitura como os que você
conhecerá nas reportagens desta edição especial formam e multiplicam mediadores
de leitura em todo o Brasil, muitas vezes atuando em regiões carentes e em
localidades de difícil acesso. E mais: criam bibliotecas comunitárias,
facilitam o acesso aos livros, promovem encontros com escritores... Enfim,
transformam milhares de crianças, jovens e adultos em leitores - sempre com
muito prazer.
Texto e imagem reproduzidos do site: novaescola.org.br
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