Imagem reproduzida do Google e postada pelo blog para
ilustar o presente artigo
Texto compartilhado de publicação no site RADAR SERGIPE, em
28 de julho de 2020
O ofício de escrever
Por Luiz Eduardo Oliva *
Outro dia fui questionado por um ex-aluno sobre os caminhos
para aprender a escrever. De fato uma indagação cuja resposta poderia até
parecer presunçosa, afinal escrever é arte, técnica e, sobretudo exercício
permanente e o é para alguns iniciados. Ainda assim arrisquei a resposta. Falo
da arte de escrever buscando o manejo das palavras com estilo e isso não se
ensina na escola. A escola ensina a usar a gramática e harmonizar bem as
palavras para o entendimento e até para o chamado português escorreito.
Escrever com estilo, porém é algo nato que se aperfeiçoa no tempo, na prática e
na leitura, principalmente. Na boa leitura de bons autores, de preferência.
Muitos vão perseguir a boa escrita, mas há um mistério de
sedução que apenas alguns serão iluminados. Porque escrever com estilo depende
daquele talento nato, como é o do bom compositor, e da busca por uma técnica
que a repetição do ato de escrever poderá proporcionar. Joel Silveira, esse
notabilíssimo jornalista e escritor sergipano dizia que no Brasil só Machado de
Assis e Graciliano Ramos tinham estilo. Os demais tinham jeito. Havia exagero
em Joel, que ao apontar apenas dois excluiu a si próprio, um artista das
palavras.
Graciliano Ramos destacou-se inicialmente pela fama que
ganharam os relatórios que produziu, enviados ao governador de Alagoas nos anos
de 1929 e 1930 quando foi prefeito de Palmeiras dos Índios, relatórios que
antecedeu a fama do grande escritor brasileiro, porque ele não se utilizou da
formalidade comum dos documentos oficiais mas impingiu uma construção
linguística própria dos grandes escritores e já ali, se revelou como tal.
O próprio Joel Silveira, que prefaciou o livro que publicou
tais relatórios, lembrou a maneira simples com que Graciliano discorreu sobre a
arte de bem escrever. Disse o autor de “Vidas Secas”: "Deve-se escrever da
mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam
com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e
torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a
água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida
e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de
feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para
secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa; a palavra não
foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para
dizer”.
Um exemplo tão simples e altamente didático. Recordei então
ao ex-aluno o ensinamento de Graciliano e, presunçoso, me arvorei a
acrescentar: para escrever bem há a necessidade de se buscar um estilo próprio,
ser incisivo nos argumentos, fugir à piegas. Aprofundar os argumentos
pesquisando assuntos que antes de escrever chegam só em detalhes na mente. Muitas
vezes um exercício inglório: escreve-se, corta-se, acrescenta-se. Mas nunca se
está satisfeito. Às vezes há a necessidade de parar, fazer qualquer outra
coisa, escutar música, e voltar ao texto. Logo vai perceber defeitos,
incorreções, mas também vão surgir novos insights. Então se continua a
escrever, cortar palavras, buscar as mais adequadas, fugir a lugares comuns.
Especular pouco e objetivar mais. Buscar a elegância no estilo, evitar a
redundância, a repetição de palavras e tomar todo o cuidado para não cair nas
armadilhas do português, da gramática. Instigar o leitor como se fosse você.
Criar expectativas para prendê-lo até o final do texto, como se fosse uma
espécie de suspense. Despertar no leitor a curiosidade de como será o final.
Assim prende o leitor ao texto, melhor diria: deixa-o "apegado".
O mais difícil é que nos dias das redes sociais os textos
com mais de uma lauda já parecem intermináveis, não seduzem. A escrita ficou
altamente superficial. Uma saída seriam os parágrafos curtos para criar
apreensão no leitor daquilo que se quer dizer. Levar emoção, tocar na alma do
leitor, fazendo-o sorrir e chorar, se for preciso, mas principalmente fazê-lo
refletir. Mas é preciso não dourar a pílula. A boa escrita tem estilo,
objetividade, elegância. É preciso deixar o texto "redondo" ou
"lapidado" na dosagem certa. Se ao final encontrar trechos que não
seriam imprescindíveis à compreensão nem ajuda nas figuras de linguagem, melhor
suprimi-los.
Pronto o texto, é necessário fazer repetidas leituras. Dar
pequenos tratos, se necessário. Depois de publicado vem o momento de degustar
na leitura o próprio texto impresso. É muitas vezes o momento de se aborrecer
por erros que se encontra ou porque surgem outros insights que demonstram que
teria sido melhor em outra forma mas o fruto já está pronto.
O ofício de escrever, portanto, é dos mais difíceis. Como
então explicar ao ex-aluno? Escrevi este texto e presunçosamente público esta
semana, porque na falta de inspiração que me abateu, resolvi escrever sobre o
ofício de escrever. Tentando ao menos o “jeito”, porque estilo como diria Joel
Silveira, ficou para os grandes escritores.
* Advogado, poeta, e membro da Academia Sergipana de Letras
Jurídicas
** Artigo Publicado
no Jornal da Cidade, edição de 24 a 27 de julho de 2020, onde Luiz Eduardo
Oliva escreve quinzenalmente.
*** Agradeço a leitura, críticas são muito bem vindas,
ajudam a melhorar os próximos artigos.
Texto reproduzido do site: radarsergipe.com.br
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